Espiritualidade sob o domínio do medo




Você tem medo?



Parece uma pergunta tola, principalmente porque o medo pertence a todo ser humano. Todos experimentam o medo em algum grau.

Em um primeiro momento o medo é um impulso instintivo que alerta sobre o desconhecido, sobre o perigo. Mas, na medida em que o ser humano desenvolve sua experiência de vida, este medo pode exceder esta condição meramente instintiva e tornar-se uma força limitante para a vida.

Medo no contexto da espiritualidade


No contexto da espiritualidade, o medo se apresenta conforme os escritos sagrados dos cristãos, desde a gênese (o princípio) da humanidade.

O medo estava presente na vida do primeiro casal (Adão e Eva) quando esconderam-se de Deus pelo fato de terem desobedecido a ordem do Criador. Eles tinham medo de encontrar com Deus.

Este medo instaurou-se na humanidade, que quanto mais vivia distante da vontade divina, mais precisava e usava folhas para cobrir aquilo de que tinha vergonha, mais procurava ocultar-se da presença divina.

Um medo a ser "cutucado"


Mas o medo que gostaria de "cutucar" hoje é uma consideração do presente. O medo que traz ausência de coragem na ruptura da religiosidade, o medo que amarra ao que é conveniente e não ao que é verdadeiro.

Parece-me que este medo é um desastre para a espiritualidade contemporânea, especialmente porque acovarda as pessoas e as condiciona numa participação conivente do que usurpa o "EM ESPÍRITO E EM VERDADE".

Em um exercício contínuo deste medo está a alienação espiritual, insensibilidade, cegueira, cauterização da consciência espiritual, extinção do ouvir a voz do Espírito.

A proposição de Jesus Cristo de que os verdadeiros adoradores adoram "EM ESPÍRITO E EM VERDADE" é um dos preceitos mais poderosos que existem no combate ao farisaísmo hipócrita que se sustenta no medo de ficar sem casa religiosa.

Sempre é triste ver que o medo neste sentido destitui as pessoas da possibilidade de uma genuína experiência espiritual para afirmá-las em uma experiência que nunca ultrapassa a religiosidade.

E de modo algum, se deve esquecer o poder negativo que uma instituição pode assumir ao cultivar religiosidade ao invés de promover o EM ESPÍRITO E EM VERDADE.

Certa vez alguém insinuou indiretamente que precisava de coragem para assumir uma condição contra a religiosidade. 

Não é difícil compreender esta condição, pois na religiosidade estava assentada todas as experiências "espirituais" desta pessoa, e era necessário elevada coragem para romper, principalmente, porque isso significaria sofrer as acusações dignas de crucificação - afinal, toda iniciativa de ruptura de tradições ainda é punida em grande medida. Depois de lavar as mãos na bacia de Pilatos, procede-se ao ato de crucificar o inocente culpado. Quem aguenta isso? Só Cristo?

Trata-se de um medo subversivo que escraviza a vontade, que se oculta nas justificativas mais puritanas possíveis. Catastrófico, porque como já dito, destitui a genuína possibilidade de ruptura da legalidade, da tradição morta, da liturgia sem vida, da corporeidade sem fôlego de vida.

O caminho da superação


Sempre fica a pergunta acerca de como é possível que alguém deixe a genuína espiritualidade para continuar amarrado a religiosidade. 

É muito complexo para reduzir a resposta a uma única palavra, mas com certeza o medo pode ocupar o campo semântico desta tragédia espiritual.

A superação do medo está transpassada pelo sacrifício. De modo que, o sacrifício é ato de puro amor e somente o amor experimentado e comunicado em genuína adoração lança fora todo o medo. 

Existe uma dinâmica mais profunda, a do sacrifício realizado e a do sacrifício a realizar, "porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu a vida de Seu Único Filho, para que todo o que NELE crê não pereça, mas tenha a Vida Eterna". 

Se a justiça chegou a efetivar-se em olho por olho, agora, então agora, é sacrifício por sacrifício, de modo que torna-se necessário negar a si mesmo e ir após ELE, depois do sacrifício de Cristo, está o sacrifício que pertence a natureza da fé. E isso é o ato de maior coragem que vida exige.

Você tem medo? Medo de encontrar e viver com Deus? Medo do EM ESPÍRITO E EM VERDADE?

Na maioria das vezes, a resposta não está nas palavras que tentam responder impulsivamente estas questões, mas na condição de vida, até porque as palavras são na maioria das vezes justificativas hipocritamente religiosas.

Este medo bloqueador da vívida experiência espiritual é o mesmo medo venenoso que afasta o humano do encontro genuíno com o Criador desde o princípio. Um falso impulso para uma falsa segurança, o conforto da religiosidade (do ocultar-se) em detrimento do EM ESPÍRITO E EM VERDADE (expor-se).

Ederson Menezes (teólogo, sociólogo, especialista em educação e mestre em práticas socioculturais e desenvolvimento social)

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