Grilhões do mundo religioso


Grilhões é uma palavra usada para indicar instrumentos de aprisionamento, por isso pode fazer referência a correntes, algemas ou prisões. Mas, por que religiões que deveriam promover liberdade, criam e utilizam grilhões? 

Uma tentativa parcial e pessoal de resposta encontra-se no fato evolutivo dos processos socio-religiosos que se desenvolvem por aqueles que vivem a experiência religiosa, experiência que passa a existir em comunidade. Na prática, o que isso significa?

Significa que das nobres iniciativas pessoais e individuais que cada indivíduo carrega, quando vivenciadas em uma comunidade, as mesmas tendem a um processo de regulação, regulamentação, normatização e por fim, dogmatização para o coletivo. 

Os dogmas tornam-se por vezes tão fortes que se afastam ou suprimem os valores iniciais que os constituíram. Pronto, está instaurada a auréola institucional religiosa que passará a reger a religação, a relação do indivíduo com o divino. 

A preservação de uma instituição, próxima de uma neutralidade, isenta da "contaminação", exigiria preservar sua essência sem estruturar-se para além da religação. Mas, quando ela passa a ser regulada pela iniciativa humana para impor-se, quando ela sede a identidade para o mundo físico, e pior, quando ela vira interesse socioeconômico e político, então o mundo religioso desenvolve seus grilhões. Passa a ser necessário aprisionar ao invés de libertar.

Os grilhões não são perceptíveis por que a busca de compreensão da experiência religiosa já está sistematizada, dogmatizada e será definida apenas pelos interesses que constituem a religação oficial - é um mover-se gradual das dores do indivíduo para o mundo religioso. A religação oficial é uma superestrutura religiosa que sustenta-se nas dores e misérias do humano, que faz jogos psicológicos destituindo acusações de consciência e reconstruindo nova condição de existência. O ritual está todo demarcado, desde os elementos, as experiências, interpretações e suas explicações. De forma que o envolvimento é tão intenso que passa a constituir nova ontologia e cosmovisão, confortável e em grande parte alienante e escravocrata.

Isso não destitui a experiência de religação legítima, apenas revela o aprisionar do processo no mundo religioso do humano, o motor de uma goteira eterna que irá lapidar esta nova condição de ver e existir no mundo. Condição no íntimo ainda legitimamente de religação, mas em todo seu vasto e contínuo sistema religioso, experiência com os grilhões da religião oficial. Poucas, realmente muito poucas pessoas vivem conscientes de tal realidade.

As dores existenciais obrigam uma busca, que torna-se mais confortável no convívio de outros e mais confortável ainda em uma proposta pronta que possui seus próprios encantamentos. Mais confortável e aceitável, difícil de resistir e libertar-se. Pois, para onde iria, que caminho seguiria ainda não explorado, explicado ou sistematizado e dogmatizado? Seria um desatino fora do sistema.

Para não ser tomado de pessimismo ou empreendimento meramente crítico é necessário dizer que é possível esperança na destituição dos grilhões do mundo religioso. Mas será necessário coragem, consciência, sabedoria e ousadia aos reformadores.

Aos que sentirem-se chamados para tal tarefa, sejam bem-vindos ao time, que joga dentro e joga fora. Chacoalhem os grilhões, pois é possível que assim alguns se soltem! Mas não se engane, pois de um dia para o outro serás descartado ao levantar esta bandeira. Daí para frente, tão somente, permaneça religado e livre. 

Ederson Malheiros Menezes

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