A responsabilidade política do cristão
RESPONSABILIDADE POLÍTICA
DO CRISTÃO*
Política – Esse é um daqueles temas “espinhosos”, uma peça
com muitos recortes e que por vezes não se sabe exatamente que lado
priorizar sua abordagem. Mas para início de conversa, sempre é bom
lembrar que quando se fala de política, não se deve confundir com
aquilo que popularmente denomina-se “politicagem”, pois esta é
uma forma de deturpação da política. Politicagem é uma maneira
diferente de falar sobre corrupção. Política diz respeito às
relações e formas de vida em sociedade.
O conceito política, originariamente, faz referência a tudo que
pertence à cidade, consequentemente aquilo que é público, civil,
social, relacionado ao governo, etc. Por isso o tema é amplo, sempre
atual e de abordagem dinâmica.
Mas, não se deve esquecer que a ideia de política também está
intimamente associada à questão do poder ou ainda, ligada às
relações de poder para se alcançar determinados fins ou objetivos
– tratando-se de um poder político.
E quando se discute acerca do “em benefício de quem o poder é
exercido”, abre-se um amplo campo de discussão, especialmente por
integrar política (pelo consenso), economia (pelos bens e produção)
e ideologia (pela coação). Por exemplo, o Brasil hoje, vive
intensos momentos políticos com eixo econômico e ideológico,
confrontos que envolvem a presidência da república e a situação
econômica e não menos importante, ideológica da nação.
Um caso extremo do abuso do poder se dá pelo chamado Estado
Totalitário, uma forma de governo em que todos os limites de poder
são destituídos e se estabelece a politização completa das
relações sociais, e consequentemente a destituição da própria
liberdade – uma forma tirânica e escravocrata opressora de
governar.
Isso, remete ao fato da importante consciência da concessão do
poder. Quando você elege alguém, o faz como representante e lhe
concede poderes que devem ser usados para o bem comum. Caso isso não
se efetive, houve irresponsabilidade no voto ou o poder concedido foi
mal usado e os resultados são os frutos amargos da corrupção, que
normalmente trazem uma diversidade de males, prejuízos e injustiças
para a grande maioria da população.
Em nossa atual forma de governo no Brasil, faz-se a concessão de
poder para pessoas que possam representar a vontade do povo – a
ideia de democracia significa “poder/governo do povo”. Tem-se
aqui, uma primeira esfera de responsabilidade, a do voto e dos
líderes instituídos. Isso significa que apesar das informações
distorcidas que se propagam com outras bem-intencionadas, que apesar
de alguns terem outros interesses ocultos, que não o bem comum, o
cristão cidadão precisa laborar politicamente para que o bem, a
justiça e a verdade sejam instituídos. E isso, se faz também,
através de voto consciente, repúdio a falsidade e injustiça, um
envolvimento muito mais amplo do que digitar um número em uma urna
eletrônica. Afinal de contas, o cristão enquanto no mundo, está
vivendo em uma sociedade politizada e suas ações também são,
querendo ou não, ações políticas envolvendo o
poder/capacidade/obrigação de decidir sobre o presente e futuro da
sua vida e da vida de muitos outros.
Negociatas corruptas, compra, venda ou troca de favores envolvendo o
poder público em prol de benefícios particulares é inadmissível
para qualquer um, especialmente alguém que diz ser cristão. Isso
faz pensar, que os genuinamente cristãos que estão mais engajados
politicamente, especialmente aqueles que são candidatos ou já
assumiram algum cargo de liderança pública, vivem uma intensa
guerra e precisam de apoio – não apoio
religioso-eclesiástico-partidário. Apoio como a própria bíblia
observa, que se faz especialmente pela oração (Rm. 13.1-7), e
também obediência tendo em vista serem estes líderes reconhecidos
como estando ajustados aos padrões de liderança de Deus para o
mundo, onde se preserva a própria liberdade que Deus dá ao ser
humano para fazer suas escolhas, mas não se oculta o quanto Deus ama
e zela pela vida.
Rm 13:1-7:
Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há
autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram
por ele estabelecidas.
Portanto, aquele que se rebela contra a autoridade está se colocando
contra o que Deus instituiu, e aqueles que assim procedem trazem
condenação sobre si mesmos.
Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que
praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade?
Pratique o bem, e ela o enaltecerá.
Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal,
tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de
Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.
Portanto, é necessário que sejamos submissos às autoridades, não
apenas por causa da possibilidade de uma punição, mas também por
questão de consciência.
É por isso também que vocês pagam imposto, pois as autoridades
estão a serviço de Deus, sempre dedicadas a esse trabalho.
Dêem a cada um o que lhe é devido: Se imposto, imposto; se tributo,
tributo; se temor, temor; se honra, honra.
Acompanhar candidatos, participar politicamente dos espaços
oportunos na constituição de políticas públicas e assim por
diante. Essas são outras esferas que muitos cristãos negligenciam
por desconhecimento ou limitada iniciativa. Espaços para igualmente
ser sal e luz da terra. Afinal, um bem como a salvação é
impossível não ser transbordado para um bem na vida coletiva, é a
vida eterna já inaugurada aqui e agora.
Ser sal e ser luz, significa que um salvo por Cristo, portador do
Evangelho que transformou sua vida, está vivendo essa realidade no
mundo. E seja na política ou qualquer outra esfera da vida do
humano, ela será influenciada.
Entretanto, para muitos, ainda parece incompatível a ideia de
“cidadão” e “fiel”, mesmo que isto se reconheça uma
realidade quase diária da vida de todo o cristão. Ser cristão
político continua a ser uma ideia inadmissível – algumas
expressões são: “eu sou apolítico”, “eu não me envolvo com
política”, “de política quero distância”. Pergunto: É
possível viver o tempo todo dentro da igreja (templo físico) sem se
envolver com mais nada? Acaso não se passa pela praça (ágora) para
discutir com alguém sobre a vida em sociedade? Não se faz isso no
próprio núcleo familiar? Na própria vida da igreja não existem
relações de poder que se exercem interna e externamente? E isso não
é parte do fazer política? Se sim, então o cristão também é
político. Quando um cristão discute com sua família sobre seus
desafios, quando troca informações e emite sua opinião sobre
determinado assunto da sua vida em comum (em sociedade) com alguém,
não está ele sendo cristão cidadão e político, que faz parte de
uma pólis (cidade-Estado)? Então dizer-se apolítico não é uma
realidade, mas uma fuga de responsabilidade. Todo mundo é um bom ou
mal político. Todo mundo faz algum tipo de política. Todo mundo faz
algo que é bom ou ruim para a vida em sociedade.
Mas qual é a responsabilidade política primeira do cristão?
Evidentemente, que a responsabilidade primeira, diz respeito ao viver
sua identidade cristã. Isso em termos práticos significa pensar,
falar e agir como cristão em sociedade, de forma a cultivar a vida
cristã e o modo de vida decorrente do Evangelho em sociedade, com
todos os seus nobres valores. Não deixa de ser, primariamente a
expressão de vida com Deus e ao mesmo tempo, o fazer político do
cristão no mundo. Não um cristão indiferente, alienado, mas um
cristão cidadão que compreende que o espaço público também é
seu campo, sua esfera de testemunho diário, de diálogo sobre os
propósitos de Deus para a humanidade, espaço para diálogo e
deliberação, de participação efetiva na construção de políticas
e diretrizes para a vida. Ajudar a construir aquilo que revela o amor
de Deus ao ser humano e ao mundo. Como já expressado, não é lugar
para desrespeito ou violação do próprio direito de se fazer
escolhas, mas a própria manutenção desta dádiva concedida por
Deus para exercício responsável.
A vida precisa ser percebida em sua realidade. Um cristão, com a
mente de Cristo e portador do Evangelho vivendo em um mundo demarcado
por carência de transformação e conhecimento do amor de Deus. A
vida no céu é uma certeza gloriosa, plena, perfeita para os que
estão “em Cristo”. A vida na terra, uma missão, percurso
tenebroso, limitado, imperfeito e por isso carente de toda e qualquer
influência daquilo que é superior, especialmente do ser sal e luz.
Deus sabia o que estava fazendo quando deixou o cristão mais um
tempo na terra.
Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor,
como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado
fora e pisado pelos homens.
Vocês são a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade
construída sobre um monte. (Mt. 5.13-14).
Ederson Malheiros Menezes
(teólogo e sociólogo)
* Texto publicado no Jornal Batista Pioneiro
* Texto publicado no Jornal Batista Pioneiro