POLÍTICA, MANIFESTAÇÕES E IGREJA - II

POLÍTICA, MANIFESTAÇÕES E IGREJA II

Ederson Malheiros Menezes 1

Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ação de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranqüila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. (1Tm 2:1-4)

No mês de Março de 2015 (exatamente um ano atrás) eu escrevia sobre "Políticas, manifestações e igreja". Questões sobre o aumento de impostos, a paralisação dos caminhoneiros e manifestações contra o atual governo pelos escândalos ocupavam destaque. Acontecimentos que ganharam maior destaque na mídia e rede social, bem como nas falas compartilhadas nas ruas.

Diante do que se apresenta como proposta de manifestação, exatamente agora, um ano depois, faz-se necessário relembrar algumas considerações acerca da denominada crise brasileira, e que se você está acompanhando as notícias perceberá que não é uma crise só brasileira. Assim, retomo partes do texto anterior com alguns acréscimos.

Em toda a crise é um processo quase natural (consciente ou inconscientemente) procurar o culpado, o "bode expiatório". E é sempre o outro, eu não. A decadência irresponsável da irresponsabilidade se instaura para autojustificação, para lavar as mãos, para sair de fininho.

Não me entendam mal os de juízos secretos e precipitados, os de leitura superficial. Não há como negar a realidade da corrupção na nação brasileira. Mas não pense você, que esta realidade corrupta que se apresenta é algo que surgiu do nada ou de uma única proposta de governo. Não! Esta corrupção percorre a história de nossa nação, e "nossa" nos inclui.

Retomo o fato de que "as manifestações contra o atual governo são crescentes desde as últimas eleições, em parte natural por insatisfações, o que poderia ocorrer com qualquer governo, todavia, em parte estratégica como acontece historicamente pelas ações de partidos em oposição ao poder conquistado".

A confusão que a luta pelo poder produz é muito grande. A começar pelas distorções de informações que são hoje uma praga sem controle. No meio eclesiástico tem gente para todos os lados (partidarismo), e pode ter certeza que o meio eclesiástico não é uma exceção.

Com os dedos latejantes pela martelada da crise, principalmente demarcada pelo fato econômico, os espíritos se altaneiam, ficam vigorosos pela dor, mas consequentemente pouco reflexivos. Daí as atitudes mais esdrúxulas inimagináveis.

Se a realidade aponta para "uma política doente que perdeu seus valores e propósitos", e que "esta esfera de confrontos, do exercício de dominação em que se requer subordinação de uns para com os outros revela apenas realidades históricas do humano em que se tenta sempre subjugar seu próximo e não se consegue estabelecer-se por si mesmo em coletividade" sugere-se novamente a síntese: " Crises da democracia, da economia e do próprio humano".

Por isso, "a luta pela justiça começa no interior de cada indivíduo, ali onde a corrupção já está instaurada. Ela se estende para a sociedade com a participação política de seus cidadãos que precisam superar os obstáculos que impedem aquilo que é justo de se efetivar. Essa não é uma resolução simples, pois envolve a mudança do indivíduo e a mudança das estruturas sociais, política e econômicas. Mas é uma causa pela qual quem vive deve fazer parte".

"Será sempre necessário ultrapassar, pelo menos na atualidade os limites de uma participação democrática representativa cômoda e interesseira. O esforço de cada trabalhador requer esforço político e participativo nos espaços ainda disponíveis. Requer cultura política para construção efetiva de interesses democráticos e não apenas particulares, ou seja, a causa precisar ser exercida com constatação da realidade de todos, para o bem de todos. Isso poderá significar em alguns momentos ser capaz de perder algo para a efetiva equidade, e aí mais uma vez entramos em crise, pois quem quer perder algo em uma sociedade individualista. Será realmente possível um governo e uma sociedade em que todos estejam felizes e sintam-se satisfeitos?"

"Alguns riscos envolvem este momento político, talvez o principal deles – o da mesmice. Mais uma vez se faz importante destacar que não é uma questão de partido político, mas de realidades que precisam ser transformadas independentemente de partidos. Afinal, a razão deles existirem é essa, construir uma nação atendida em suas demandas e ajudá-la em seu real desenvolvimento de forma justa – no fundo deveria representar sempre os interesses de todos".

"Não há mais espaço para político que se apresenta como “salvador da pátria”. Não há espaço para soluções mágicas. Não há lugar para reducionismos das questões sociais que envolvem a nação. Não há lugar para particularismos. Não há lugar para negligência. Não há lugar para injustiça e corrupção. Não há lugar para gladiadores do poder por poder".

"A politica não pode mais ser confundida com politicagem, assim como democracia não pode ser confundida como oligarquia. E nesta caminhada a participação efetiva de cada cidadão no exercício de suas atribuições políticas, respaldado em valores concretos precisa superar a atual conjuntura não circunstancial, mas principalmente histórica".

"A igreja se insere primeiramente no dever da oração pelos governantes e pela nação – o que precisa ser exercido com zelo e dedicação. Efetivamente, a igreja composta por cidadãos do céu que estão no mundo com a incumbência de fazer diferença, deve contribuir na formação política dos mesmos sem que esta seja partidária. Se é "sal" precisa temperar a vida das pessoas com Jesus Cristo e a sociedade com os valores do Reino".

"Consciente de que sua principal missão não é política, não pode se eximir da mesma pela própria natureza de sua constituição – está baseada numa condição de luta. Na prática isso significa evitar a politicagem dentro de suas próprias demarcações estruturais, e não portar-se indiferente ou quase misticamente em relação as questões políticas. Estabelecer diálogos para promoção da maturidade política dos cidadãos celestiais que estão no mundo e que aqui também exercem sua cidadania, diálogos que superem a superficialidade dos debates partidários com interesses restritos".

Mas observe que, manifestação sem consciência política da ação é um delírio de massa que está sendo articulada para atender outros interesses que na maioria das vezes desconhece. Com a atual crise partidária no país, seja qual for o partido, uma manifestação que tem somente essa base, está sustentando uma estrutura falida e doente que precisa de tratamento sério. Uma manifestação que só é manifestação, e não ação que começa na casa de cada um, é uma ilusão ou fruto de tão grande corrupção quanto aquela que retira seus recursos obscuramente. Uma manifestação de caráter personalista é a manutenção de messianismo terreno improdutivo, totalmente desarticulada com o próprio embasamento bíblico.

Sou a favor da manifestação pela justiça, pela verdade, pelo bem coletivo, que promove a paz. E junto com isso, todo comprometimento cidadão que isso requer para efetivação de direitos e responsabilidades.

"Não há restrições para participação de cristãos em manifestações políticas desde que o mesmo não seja levado por “ventos de doutrina”, por “verdades” desinformadas ou que possam ser compreendidas no futuro como uma contramão dos valores de Deus".

1 Ederson Malheiros Menezes – teólogo, sociólogo (licenciatura), especialista em docência no ensino superior e EaD, mestre em divindade e mestre em práticas socioculturais e desenvolvimento social.

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