POLÍTICA, MANIFESTAÇÕES E IGREJA
Ederson
Malheiros Menezes1
Antes
de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões
e ação de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os
que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranqüila e
pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isso é bom e agradável
perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam
salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. (1Tm 2:1-4)
As
questões que estão efervescendo em nossa sociedade estão
relacionadas com o aumento de impostos, a paralisação dos
caminhoneiros e manifestações contra o atual governo pelos
escândalos que se apresentam. Estes, são os acontecimentos que
ganharam maior destaque na mídia e rede social, bem como nas falas
compartilhadas nas ruas.
Em
relação ao aumento dos impostos trata-se de ajustes econômicos do
país, os quais são exigências de qualquer governo a partir da
realidade que se apresenta – não está aqui se verificando ou
definindo de que forma esta realidade se apresenta para a nação,
pois isto fica quase no campo do mistério. Sobre a paralisação dos
caminhoneiros, trata-se de uma manifestação de causa mais
particular – de uma categoria como de tantas outras em que se
requer melhores condições de trabalho. As manifestações contra o
atual governo são crescentes desde as últimas eleições, em parte
natural por insatisfações, o que poderia ocorrer com qualquer
governo, todavia, em parte estratégica como acontece historicamente
pelas ações de partidos em oposição ao poder conquistado.
Financeiramente
sabe-se que outras nações passaram recentemente por crises
financeiras muito piores que esta, vivenciada no Brasil, e isto não
significa ignorar realidades difíceis que envolvem a nação. Mas
compreende-se que na atual conjuntura econômica e política mundial
a nação enfrenta grandes desafios em esfera macroeconômica e
macropolítica que não se resolvem com tanta facilidade quanto se
desejaria. Inevitavelmente, com os ajustes financeiros do governo, o
efeito dominó garante que de uma ponta a outra “todos” sintam-se
incomodados.
A
paralisação dos caminhoneiros talvez seja o que de mais concreto
indica a insatisfação com a condição de trabalho e vida desta
categoria de trabalhadores. E como já ocorreu em outros momentos
(momentos recentes no Brasil), a voz destes passa a ser agregada por
outras que tentam incluir na pauta outras realidades difíceis a
serem consideradas – então, a voz dos caminhoneiros passa a ser
considerada por muitos como a voz da nação. Parados nas estradas
param a nação para reclamar de algo concreto e que apenas indica um
dentre muitos desafios para o desenvolvimento do país.
Quando
uma manifestação adquire tal envergadura, logo agita o povo e as
redes sociais passam a ser uma denúncia constante. Muitos
comentários infundados, mas indicadores de que é crescente uma
insatisfação. Como toda crise, o desafio é procurar o culpado e
condená-lo e neste processo intenso se unem muitos outros interesses
nem sempre vinculados ao bem, mas sim a disputa pelo poder.
O
cidadão brasileiro sofre com a questão econômica de restrição
como acontece em qualquer outro lugar com qualquer pessoa, sofre
ainda muito mais por ver-se sempre como a ponta da corda, ou seja,
como aquele que precisa pagar por algo que “não fez”. Sofre,
independente dos partidos que perderam sensibilidade para traduzir as
realidades do povo numa disputa cada vez menos ética por poder. Um
problema de representatividade que envolve todos os partidos
políticos de nossa nação. O “repeteco” dos discursos e
propostas é a maior evidência disso.
A
complexidade da situação está evidenciada no fato de que mesmo
atendendo as revindicações dos caminhoneiros, isto não resolve os
problemas da nação. Mesmo que alguns insistam em propostas
milagrosas, não se pode deixar envolver por algo tão simplista
assim – ou em outras palavras, muito mal compreendido.
As
distorções de informação causam pânico, pois na crescente dos
discursos não se sabe quem está falando a verdade, sobre o que está
falando e em nome de quem fala. Uma política doente que perdeu seus
valores e propósitos.
Esta
esfera de confrontos, do exercício de dominação em que se requer
subordinação de uns para com os outros revela apenas realidades
históricas do humano em que se tenta sempre subjugar seu próximo e
não se consegue estabelecer-se por si mesmo em coletividade. Crises
da democracia, da economia e do próprio humano.
É
difícil reconhecer a realidade nos discursos, ela precisa ser
conhecida nos contextos mais próximos sem intermediários
“traduzindo”, precisa ser compreendida para além dos interesses
próprios. São questões complexas que estão em jogo e que revelam
quem somos e nos tornamos como humanos. Se não fosse o resgate
constante de iniciativas aparentemente sadias, morreríamos de falta
de esperança e pessimismo.
A
luta pela justiça começa no interior de cada indivíduo, ali onde a
corrupção já está instaurada. Ela se estende para a sociedade com
a participação política de seus cidadãos que precisam superar os
obstáculos que impedem aquilo que é justo de se efetivar. Essa não
é uma resolução simples, pois envolve a mudança do indivíduo e a
mudança das estruturas sociais, política e econômicas. Mas é uma
causa pela qual quem vive deve fazer parte.
Será
sempre necessário ultrapassar, pelo menos na atualidade os limites
de uma participação democrática representativa cômoda e
interesseira. O esforço de cada trabalhador requer esforço político
e participativo nos espaços ainda disponíveis. Requer cultura
política para construção efetiva de interesses democráticos e não
apenas particulares, ou seja, a causa precisar ser exercida com
constatação da realidade de todos para o bem de todos. Isso poderá
significar em alguns momentos ser capaz de perder algo para a efetiva
equidade, e aí mais uma vez entramos em crise, pois quem quer perder
algo em uma sociedade individualista. Será realmente possível um
governo e uma sociedade em que todos estejam felizes e sintam-se
satisfeitos?
Alguns
riscos envolvem este momento político, talvez o principal deles –
o da mesmice. Mais uma vez se faz importante destacar que não é uma
questão de partido político, mas de realidades que precisam ser
transformadas independentemente de partidos. Afinal, a razão deles
existirem é essa, construir uma nação atendida em suas demandas e
ajudá-la em seu real desenvolvimento de forma justa – no fundo
deveria representar sempre os interesses de todos.
Não
há mais espaço para político que se apresenta como “salvador da
pátria”. Não há espaço para soluções mágicas. Não há lugar
para reducionismos das questões sociais que envolvem a nação. Não
há lugar para particularismos. Não há lugar para negligência. Não
há lugar para injustiça e corrupção. Não há lugar para
gladiadores do poder por poder.
A
politica não pode mais ser confundida com politicagem, assim como
democracia não pode ser confundida como oligarquia. E nesta
caminhada a participação efetiva de cada cidadão no exercício de
suas atribuições políticas, respaldado em valores concretos
precisa superar a atual conjuntura não circunstancial, mas
principalmente histórica.
A
igreja se insere primeiramente no dever da oração pelos governantes
e pela nação – o que precisa ser exercido com zelo e dedicação.
Efetivamente, a igreja composta por cidadãos do céu que estão no
mundo com a incumbência de fazer diferença, deve contribuir na
formação política dos mesmos sem que esta seja partidária. Se é
sal precisa temperar a vida das pessoas com Jesus Cristo e a
sociedade com os valores do Reino.
Consciente
de que sua principal missão não é política, não pode se eximir
da mesma pela própria natureza de sua constituição – está
baseada numa condição de luta. Na prática isso significa evitar a
politicagem dentro de suas próprias demarcações estruturais, e não
portar-se indiferente ou quase misticamente em relação as questões
políticas. Estabelecer diálogos para promoção da maturidade
política dos cidadãos celestiais que estão no mundo e que aqui
também exercem sua cidadania, diálogos que superem a
superficialidade dos debates partidários com interesses restritos.
A
questão não é se deve ou não participar de uma manifestação,
mas compreender em que manifestação deve ou não participar. Isso,
para não passar vergonha, vergonha por ver-se destituída de sua
espiritualidade e conhecimento adequado das questões políticas.
Talvez em algumas circunstâncias deva promover suas próprias
manifestações, embasadas nos valores do Reino e que estimulam a
construção de uma sociedade justa. Porém, se for para ser uma ação
ou manifestação que está a serviço de alguém, como serva de
alguém, que seja de Cristo com os mesmos benefícios que mobilizaram
Deus em sua ação de amor pelo mundo.
Não
há restrições para participação de cristãos em manifestações
políticas desde que o mesmo não seja levado por “ventos de
doutrina”, por “verdades” desinformadas ou que possam ser
compreendidas no futuro como uma contramão dos valores de Deus.
Não
há contravenção em muitos dos valores do Reino com os valores
éticos e de justiça que se esperam na construção de um mundo
melhor, desde que a própria Bíblia apresenta a necessária postura
de oração e instituição dos governos por Deus, para a justiça.
Mesmo que este mundo não seja o ponto final da peregrinação
cristã, os cristãos passam por aqui e a influência de Cristo em
sua vida deve marcar esta terra em todos os sentidos.
1Ederson
Malheiros Menezes – teólogo, sociólogo (licenciatura),
especialista em docência no ensino superior e EaD, mestrando em
práticas socioculturais e desenvolvimento social.